quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Princípio


"Não tenho deuses. Vivo
Desamparado.
Sonhei deuses outrora,
Mas acordei.
Agora
Os acúleos são versos,
E tacteiam apenas
A ilusão de um suporte.
Mas a inércia da morte,
O descanso da vide na ramada
A contar primaveras uma a uma,
Também me não diz nada.
A paz possível é não ter nenhuma".


Miguel Torga, in 'Penas do Purgatório

Viagem

Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar…

(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).

Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura…
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura
O que importa é partir, não é chegar.

Miguel Torga, 1962

domingo, 15 de fevereiro de 2009

"Não há, não,
duas folhas iguais em toda a criação.
Ou nervura a menos, ou célula a mais,
não há, de certeza, duas folhas iguais.

Limbo todas têm,
que é próprio das folhas;
pecíolo algumas;
baínha nem todas.
Umas são fendidas,
crenadas, lobadas,
inteiras, partidas,
singelas, dobradas.

Outras acerosas,
redondas, agudas,
macias, viscosas,
fibrosas, carnudas.

Nas formas presentes,
nos actos distantes,
mesmo semelhantes
são sempre diferentes.

Umas vão e caem no charco cinzento,
e lançam apelos nas ondas que fazem;
outras vão e jazem
sem mais movimento.

Mas outras não jazem,
nem caem, nem gritam,
apenas volitam
nas dobras do vento.

É dessas que eu sou."


António Gedeão, Poesias Completas (1956-1967),
Lisboa, Portugália Editora, 1975, 5.ª ed.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

A magia da semântica

São afagos delicados
frémitos doces,
sussurros melaço,
esses magros pensamentos,
são mensagens que o vento,
transporta enlaçado
nas cristas do tempo,
para mim, de ti,
feito norte friorento.
Concebes e envias
tamanhas doçuras
em letras esguias,
de saudade e ternuras,
impressas no branco,
das folhas virtuais,
soltas ao relento,
em avenidas transversais,
a coberto do mar.
São palavras de encanto
impedlndo-me a amar.
Recebo-te e enleio-me
na magia da semântica
que me embriaga e me alenta...

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Desejo que fluiu

Banalizado, o amor,
no sentir de pressões,
na ausência de palavras,
em estravagâncias...
São parábolas de esperança,
as notícias estonteantes,
em valores implícitos,
interiores deslumbrantes,
na insegurança do nada,
na efeverscência da espera,
no luto da quimera
de um em dois que se intuiu.
Valência que se esgota,
num desejo puro que fluiu...

Bem vindos!

Arquivo do blogue